Após
mobilização nas redes sociais, deputado desiste de lei que restringe livros com
conteúdo contrário à norma culta da língua
Tatiana
Klix, iG São Paulo | 20/04/2012 20:30: 58
Um
projeto que seria votado pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais e
pretendia defender a língua culta nos livros escolares do Estado não será mais
transformado em lei. O autor da proposta, deputado Bruno Siqueira (PMDB),
decidiu nesta sexta-feira retirá-lo de tramitação após uma petição pública ter
recolhido em dois dias mais de sete mil assinaturas pela internet contrárias ao
texto que poderia afastar autores como Guimarães Rosa das escolas. “Houve uma
divulgação equivocada do projeto e para evitar um mal entendido, decidi retirar
o texto”, afirmou o deputado ao iG.
A
primeira versão do projeto de Siqueira, enviada para a Assembléia Legislativa
de Minas Gerais em junho de 2011, proibia a distribuição de todo e qualquer
material que tivesse conteúdo contrário à norma culta da língua portuguesa em
escolas da rede pública do Estado. Em outubro, o texto foi modificado e a
expressão "proibida a adoção e distribuição (de conteúdo contrario à norma
culta)" na lei foi trocada por “priorizada a adoção de livros que não
contrariem a norma culta”.
Sem
data para ser votado, mas já aprovado nas comissões de Justiça e Educação da
casa, o projeto não havia chamado muita atenção da opinião pública até a última
quarta-feira (18), quando o doutorando em Literatura Brasileira pela USP
Roberto Círio Nogueira leu uma divulgação da lei no site do deputado. Além da
restrição à linguagem popular, o texto também vetava livros com forte teor
erótico.
“Li
o conteúdo e achei grave, porque abriria precedente para a proibição de
praticamente toda a literatura brasileira desde o modernismo”, disse. Nogueira
mandou um email ao deputado e criou um abaixo-assinado em que alertava que a
lei, caso aprovada, proibiria a leitura do autor Guimarães Rosa nas escolas.
A
partir da petição, uma forte mobilização cresceu nas redes sociais e o deputado
reagiu. Antes de decidir retirar o projeto da Assembléia, enviou uma resposta
ao especialista em literatura brasileira e respondeu a críticas pelo Twitter.
Segundo
Siqueira, o texto não proibia nenhum livro, mas apenas pretendia garantir que
os alunos aprendessem português da maneira correta. Segundo afirmou ao iG, a idéia
da lei surgiu após denúncias de que o Ministério da Educação estava
distribuindo "livros didáticos que ensinavam a escrever errado".
No
ano passado, o livro Por uma Vida Melhor, usado em escolas de Educação de
Jovens Adultos (EJA), foi amplamente debatido por conter um capítulo que
defende que a linguagem popular também é adequada.
“O
projeto não proíbe Guimarães Rosa”, afirmou o deputado, ao explicar que o texto
inicial tinha sido mudado para evitar justamente o risco de restringir textos
literários nas escolas. "Mas como foi feita essa divulgação
sensacionalista, acho melhor retirar a proposta", completou.
Para
o autor do abaixo-assinado, que afirma ter lido no site do deputado a versão do
projeto com a palavra “proibida”, a mudança no texto era irrelevante. “Isso
quer dizer que autores que citei no abaixo-assinado não teriam suas obras priorizadas.
E isso também é grave”, explicou ao comemorar o resultado da mobilização.
Leia
o projeto inicial da lei:
“Fica
proibida a adoção e distribuição, na rede de ensino pública e privada do estado
de Minas Gerais, de qualquer livro didático, paradidático ou literário com
conteúdo contrário à norma culta da língua portuguesa ou que viole de alguma
forma o ensino correto da gramática. O disposto no ‘caput’ também se aplica
quando o conteúdo apresentar elevado teor sexual, com descrições de atos
obscenos, erotismo e referências a incestos ou apologias e incentivos diretos
ou indiretos à prática de atos criminosos”.
O
texto após modificação:
“Será
priorizada a adoção de livros que não contrariem a norma culta da língua
portuguesa.”
O
texto do abaixo-assinado pró Guimarães Rosa:
O
PROJETO DE LEI Nº 1.983/2011, protocolado na Assembléia Legislativa do Estado
de Minas Gerais pelo deputado estadual Bruno Siqueira (PMDB), proíbe a
distribuição na rede de ensino pública e privada do Estado de Minas Gerais de
qualquer livro didático, paradidático ou literário com conteúdo contrário à
norma culta da língua portuguesa ou que viole de alguma forma o ensino correto
da gramática de nosso idioma nacional, bem como conteúdo que apresenta elevado
teor sexual, com descrições de atos obscenos, erotismo e referências a incestos
ou apologias e incentivos diretos ou indiretos à prática de atos criminosos.
A
justificativa de tal projeto encontra-se embasada numa concepção do ensino de
Língua Portuguesa completamente defasada e obsoleta em relação ao conhecimento
científico solidamente acumulado na área de Letras e Lingüística. Além disto,
caso o projeto seja aprovado, esta lei proibirá a distribuição, nas escolas
mineiras, de praticamente todo o riquíssimo patrimônio literário brasileiro
edificado no século XX, já que um traço comum à vasta e heterogênea produção
literária nacional dos últimos cem anos é exatamente a subversão à norma culta
padrão de nossa língua materna. Restaria proibida em nossas escolas a
distribuição de livros da autoria de Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Mário
de Andrade, para ficar em apenas três nomes de uma infindável lista de grandes
autores que inclusive satirizaram o ensino da norma culta da língua, como
Oswald de Andrade no poema “Pronominais”. Restaria proibida também a
distribuição de livros de poetas como Gregório de Matos, que, no século XVII,
embora escrevesse conforme a norma culta da língua, eventualmente, usava
vocábulos de baixo calão e imagens eróticas em seus textos poéticos.
Considerando
que o ensino de Língua Portuguesa condizente com um Estado Democrático de
Direito deve se pautar pela leitura crítica de textos de quaisquer gêneros
discursivos, em vez de encontrar-se restringido por uma lei que representa
indiscutivelmente um retrocesso aos regimes mais autoritários de nossa história
(lembrando a censura executada pelo regime militar para proibir a circulação de
diversas obras literárias acusadas de cometer as mesmas “violações” que o
referido projeto menciona), manifestamo-nos contrários à aprovação do PROJETO
DE LEI Nº 1.983/2011.
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